sábado, 23 de julho de 2011

O Governo de JK até a revolução de março de 1964


Em 1956, assume a Presidência da República o Dr Juscelino Kubitschek de Oliveira, que se propôs a retomar o processo de industrialização autônomo, iniciado por Getúlio Vargas.
Alcançado parcialmente, já que a autonomia industrial idealizada por Vargas não se mostrava factível, Juscelino conseguiu abrir um espaço de harmonização do projeto pretendido com os interesses da potência hegemônica. O retorno da Europa Ocidental à vida econômica internacional forneceu, sem confrontação com os Estados Unidos, opções comerciais e financeiras ao Brasil, o que possibilitava a realização do projeto e a montagem de novas diretrizes de política externa, o que recuperou parte da política exterior de Vargas e veio, mais adiante, tomar forma definitiva, nomeada como política externa independente.

Como primeiro grande movimento de política externa, Juscelino lançou a Operação Pan-Americana, com o que requeria uma ação da política externa norte-americana que privilegiasse a América Latina. Com este movimento, a diplomacia brasileira perseguia dois objetivos: liderar os países latino-americanos e retomar relações privilegiadas com os Estados Unidos. Contudo, essa ação se cingiu ao plano da retórica, não conseguindo espaço para prosseguir de forma mais efetiva.

Essa política externa independente vai se afirmar após 1958; sua consolidação coincide com a negativa do governo Kubitschek em aceder a exigências do Fundo Monetário Internacional. Seus principais princípios eram:

* A ampliação do mercado externo e dos manufaturados brasileiros, através da redução tarifária no âmbito latino-americano e da intensificação das relações comerciais com todas as nações, inclusive as socialistas;
* A formulação autônoma dos planos de desenvolvimento econômico e a aceitação de ajuda internacional nos marcos deste plano, o que objetivava escapar às imposições do Fundo Monetário Internacional,
* A manutenção da paz por meio da defesa da coexistência pacífica entre Estados regidos por ideologias antagônicas e do desarmamento geral e progressivo;
* A não-intervenção em assuntos internos de outros países;
* A autodeterminação dos povos e o primado absoluto do Direito Internacional com relação à solução dos problemas mundiais; e
* A emancipação completa dos territórios não-autônomos, qualquer que fosse a forma jurídica utilizada para sujeita-las à metrópole.


O governo Jânio Quadros assume in totum as teses da política externa independente e foi, na verdade, o grande responsável por sua implementação. Logo após a posse, Jânio encaminha missões à China e países do Leste Europeu, objetivando reatar relações diplomáticas com estes países. O princípio da autodeterminação visava sobretudo à questão cubana. Cuba já aflorava como um contencioso, e tolerar uma intervenção nesse país abriria um precedente passível de ser invocado para qualquer país da América Latina que não se alinhasse, plenamente, com os Estados Unidos. O princípio da emancipação completa dos territórios não-autônomos colocava o Brasil contra Portugal e seguia uma visão pragmática, pois a descolonização africana abriria novos mercados para os produtos brasileiros na Europa. As circunstâncias favoreceram a política externa independente, quando de sua definitiva formatação, no governo Jânio Quadros. Tanto a recuperação econômica da Europa Ocidental e a consolidação da Rússia, quanto a Revolução Cubana e a descolonização da África abriam espaços para a estratégia embutida nessa política, ao mesmo tempo que elevavam o seu poder de barganha. A questão criada pela implementação do regime castrista em Cuba suscitou sucessivos testes às teses defendidas pela política exterior independente, em diversos episódios, como a invasão da Baía dos Porcos, a reunião interamericana de Punta Del Este, em 1961, e a crise dos mísseis de 1962. Em todos os testes sobressaíram-se e mostraram-se dominantes os princípios defendidos pelo Itamaraty, de autodeterminação e de não-intervenção em negócios internos de outros países. Foi deste período o episódio conhecido como Guerra das Lagostas, em que a ação de barcos pesqueiros franceses em nosso mar territorial ensejou uma vitoriosa ofensiva da diplomacia brasileira na defesa de nossos interesses.

Hoje, parece claro que o governo João Goulart - tanto o parlamentarista quanto o presidencialista -, procurou, permanentemente, minimizar o caráter possivelmente traumático, para as correntes conservadoras da política externa independente. Exemplo disso foram as relações com os Estados Unidos, que Goulart procurou conduzir com moderação, certamente para não açular ainda mais a hostilidade de opositores do seu governo e, também, para evitar um provável bloqueio econômico como retaliação. Também, hoje, está claro que a tibieza de Goulart frente aos avanços da ação comunista no Brasil teve claros reflexos nos movimentos de nossas relações internacionais. Esta inação de Goulart foi, sem dúvida, o maior libelo contra a política externa independente, que passou a ser confundida como de consentimento à ação marxista internacional. É óbvio que esta conceituação era claramente improcedente. Até a Revolução de 1964, a política externa de Jânio Quadros e João Goulart era na verdade de corte nasserista ou não-alinhado. Tinha, portanto, características de corte neutro do ponto de vista ideológico e buscava retirar de sua neutralidade vantagens para os interesses nacionais. Mas nem sempre a oposição ambígua é a melhor postura: outros fatores, como, por exemplo, a localização geográfica e o desempenho econômico são fundamentais para dar força à ambigüidade e obter melhores resultados.

A Revolução de 1964 optou, de início, por uma nova linha de política externa; encontrava suporte na visão geopolítica de pensamento do General Golbery do Couto e Silva.

A visão de Golbery apoiava-se em um tripé: 

· Na articulação de uma visão geopolítica (esboçada de acordo com os cânones germânicos e desenvolvida com o realismo de Morghentau) com a teoria cíclico-elitista da história de Arnold Toynbee;
· Na confrontação ideológica da Guerra Fria, onde o nosso campo era, por todas as circunstâncias, o do anticomunismo, e
· Na projeção internacional do Brasil.

A nova linha objetivava inserir o Brasil na estratégia de defesa do Ocidente; colocava o Brasil como peça importante do Oeste em sua confrontação com o Leste. Não seria com discursos sobre o mercado ou o livre-cambismo, como colocado por Golbery, em sua obra O Brasil e a Defesa do Ocidente, que os Estados Unidos poderiam resolver suas questões estratégicas na América Latina. Era necessário fazer ver ao líder do Ocidente como era importante cooperar com o desenvolvimento do Brasil, em razão de sua importância estratégica nos destinos do Ocidente, do Atlântico Sul e da África Ocidental.

Havia-se explicitado, portanto, uma clara disjuntiva: de um lado, o bloco ocidental, guiado pelos valores da democracia, do cristianismo e do capitalismo; de outro, o bloco comunista, levado pelas teses totalitárias, do ateísmo e do comunismo. À luz dessa disjuntiva, o nosso lugar era óbvio no primeiro bloco e deveria ser buscado dentro do binômio segurança e desenvolvimento.


 Para tanto, isso seria feito de forma a demonstrar aos Estados Unidos a grande serventia estratégica que o Brasil poderia ter, desde que inserido num programa desenvolvimentista de co-responsabilidade norte-americana. Ademais, na América Latina fomentava-se uma crescente inquietação, provocada pela progressiva consolidação da posição de Fidel Castro, decorrente do compromisso assumido, após a crise dos mísseis, pelos norte-americanos com os soviéticos, de reconhecer a legitimidade do regime cubano. Cuba transformava-se num centro de instabilidade no continente americano e já em 1966 convocava a III Conferência de Solidariedade dos Povos da África, Ásia e América Latina, a denominada Conferência Tricontinental de Havana, que tinha como objetivo definir a agenda da luta revolucionária no Terceiro Mundo. No resto do mundo avultava a questão vietnamita, em que se verificava a clara incapacidade dos Estados Unidos de resolvê-la de forma rápida e satisfatória.

A nossa inserção se fazia num momento em que o bloco ocidental encontrava-se na defensiva.


O rompimento de relações com Cuba, em maio de 1964, trouxe como dividendo o reinício do fluxo de capitais americanos para o Brasil. No período de governo do Marechal Castelo Branco, apesar da rotação observada em relação à política externa independente pelo alinhamento anterior com a diplomacia estadunidense, a prioridade latino-americana também se fazia presente em diversos episódios, cabendo destaque singular à ação conjunta desenvolvida em São Domingos. Praticava-se uma nova política, a da interdependência, em que se seguia uma aliança explícita com os Estados Unidos.

A polarização de tendências do início da década de sessenta havia conduzido a duas experiências em termos de política exterior: a independente, que maximizava a ação pendular, e a interdependente, que realçava seus aspectos associacionistas. O malogro relativo de ambas era evidente ao iniciar-se o governo do Marechal Costa e Silva. A causa não era tanto o caráter contraditório das posições de cada uma, nem a justaposição das duas, mas sim a fragilidade da política exterior de qualquer país desprovido de poder de influir sobre o sistema internacional.

Entretanto, como a última experiência, a do governo Castelo Branco, havia sido a da interdependência, é explicável a nova reversão, com a volta à política externa independente, em 1967, com a ascensão de Costa e Silva à Presidência da República. O fracasso nos resultados da aliança com os Estados Unidos, como concebida na gestão Castelo Branco, trazia de volta o estilo de conduta externa inaugurado por Getúlio Vargas e desenvolvido por Juscelino Kubitschek e San Tiago Dantas.


1.2- Análise da Conjuntura Brasileira (1956/1964), através das Expressões do Poder Nacional:

1.2.1- Expressão Política
Os problemas de sustentação política que Getúlio Vargas enfrentara praticamente desapareceram com Juscelino Kubitschek. Restava conseguir o financiamento do seu Plano de Metas, que acabou recorrendo às três fontes clássicas: o Estado, a iniciativa privada e a importação de capitais, cada qual com um setor da economia. Algumas metas foram atingidas, outras não alçaram vôo. A verdade é que a percepção dos tempos de JK é a de liberdade, progresso e de uma inflação que não vai parar mais de crescer.



Antes que 1964 ganhasse condições de existência, o Brasil experimenta Jânio Quadros e João Goulart, num momento em que se aprofunda a politização do campo iniciada nos anos 50, do século passado, quando grupos e partidos de esquerda, principalmente o Partido Comunista Brasileiro, deslocam quadros para o interior para mobilizar e organizar a população rural.


Criam-se as Ligas Camponesas, as Associações Rurais, o Movimento dos Agricultores Sem-Terra, que são entidades civis desvinculadas do controle do Ministério do Trabalho, ao contrário do que sucedia com os sindicatos. A pressão exercida por esses novos atores se integra às "Reformas de Base", com o que se dizia buscar uma maior participação das classes menos favorecidas, dentre elas, o agricultor, que passou a se chamar camponês.

O Movimento de março de 1964 nasce de uma grande ruptura do pacto que estatuía as relações existentes na sociedade. As pressões exercidas ultrapassaram o nível de tolerância do conflito, levando segmentos importantes a buscar uma atuação das Forças Armadas, incluindo-se o empresariado industrial, uma classe média assustada, o clero, além de um não desprezível endosso da grande imprensa. Há, também, a acrescer ao repertório de causas que derrubaram João Goulart o mau-funcionamento do "sistema", que já não respondia às demandas e nem conseguia impor decisões, configurando um vazio de poder de prolongamento improvável.


Os governos militares, malgrado evidentes diferenças ditadas principalmente pela atmosfera política em que exerciam o poder, levaram para a Chefia do Executivo princípios que definiam, até certo ponto, o udenismo: um ideário democrático liberal, um discurso de moralização dos costumes políticos e um modelo que buscava conciliar o modernizador estatizante e o conservador autoritário, estreitando, destarte, o espaço para os liberais, que começaram a rever sua adesão ao movimento.

1.2.2 - Expressão Econômica

Destaca-se no período a evolução de algumas áreas de infra-estrutura, o incremento das atividades da Petrobrás e o surgimento do Conselho Nacional do Desenvolvimento e o Programa de Metas, de 1958, já no governo de Juscelino Kubitschek. O programa em referência privilegiara investimentos infra-estruturais, a serem implantados pelo Estado. Surgiu, também, a SUDENE e o BNB para o Nordeste, a indústria automobilística e a de construção naval. Ao fim do governo Kubitschek, a situação entre o Brasil e o FMI estava tensa bastante para levar o governo subseqüente - Jânio Quadros - a proceder ampla reforma cambial.

Negociações financeiras externas foram levadas a efeito para minorar problemas de balanço de pagamentos. Criava-se a ELETROBRÁS. Surgia, nos Estados Unidos, a Aliança para o Progresso e advinha, por ação norte-americana, o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Internamente, a inflação agravava-se e o governo João Goulart perdia auxiliares de primeira grandeza no campo político e no campo econômico. Houve ameaça de nacionalização de indústrias e adveio a violenta restrição à remessa de capitais estrangeiros aqui investidos. Dificuldades em todas as áreas levaram à substituição do Presidente da República, dando início ao ciclo de governos militares.


O primeiro lance dessa alteração institucional caracterizou-se, no plano econômico, pela adoção do PAEG, de características monetárias ortodoxas. À luz do programa, adveio ampla ação legisferante, com efeito disciplinar sobre variada matéria. A conjuntura recuperou-se e a inflação declinou acentuadamente. Instituiu-se o Banco Central, o Banco da Amazônia S/A, a SUDAM e, no âmbito do BNDE, quatro programas de fomento - FUNDECE, para capital de giro das empresas; FINAME, para financiamento de rendas a prazo de bens de produção nacional; FIPEME, para pequenas e médias empresas e FINEP para estudos, projetos e programas. O PIB, em 1966, cresceu 5,1% relativamente a 1965, com grandes benefícios para o País.
1.2.3 - Expressão Psicossocial

O golpismo marcou a transição de Getúlio Vargas a Juscelino Kubitschek. Garantida pelo Exército a posse deste, inaugurava-se um novo período na vida social e cultural brasileira. O popular de Vargas, depois nacional-popular, passava agora a ser o popular-nacional-desenvolvimentismo. A CEPAL, prestigiada pela política externa de Vargas, colaborou decisivamente para a concepção de um plano que permitia um novo equilíbrio entre os diferentes interesses que compunham o pacto político. A abertura da economia ao capital estrangeiro deveria permitir transformações estruturais aceleradas. A vinda do capital alienígena estava legitimada pela necessidade da técnica moderna capaz de tirar o País do atraso. A técnica seria o agente modernizador por excelência, capaz de neutralizar a miséria e as desigualdades. À frente da aplicação dessas idéias apareceu o ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros -, organização do MEC que congregava intelectuais de vários matizes, mas principalmente dos campos comunista e socialista.

Os militares eram vistos por eles com suspeição, exceto, é claro, os também comunistas.

O País era despertado por uma nova marcha. Para Oeste: A construção de Brasília, a bossa-nova, a literatura baseada no concretismo e o cinema do realismo italiano (O Cangaceiro), a nova arquitetura de Niemeyer e Lúcio Costa.

A crítica social e política de fundo ideológico entrava em cena, afetando o teatro, o cinema e, depois, a TV.

O projeto pretendia a superação do principal óbice encontrado pela industrialização restringida ou limitada de Vargas, que era a dependência do setor agro-exportador para a produção de divisas. O capital estrangeiro deveria ajudar na superação dessa limitação, e o modelo foi batizado de "capitalismo independentemente associado". A instrução 113 da SUMOC daria forma à idéia, e o capital estrangeiro poderia entrar sem cobertura cambial.


O País cresceria de forma admirável (de 2 milhões de barris de petróleo/ano, em 1955, para 30 milhões, em 1960), embora a desnacionalização da indústria fosse evidente.

Havia no ar uma euforia desenvolvimentista. Um valor novo do urbano, do progresso material, dos novos horizontes do Brasil. A agricultura suportou o peso do esquecimento e da inflação.
A vida cultural, além dos empreendimentos geralmente citados, assumiu um jeito de ser conforme padrões cosmopolitas.

O modelo já entraria em crise a partir de 1960. A inflação fazia vítimas. A desorganização impressionava, e a corrupção também.


Os anos de 1960 a 1963 são, primeiro de esperança (meses da gestão de Jânio Quadros), depois de pesadelo e desorganização acelerada da vida política. Jânio iniciara uma revolução em política externa (abertura à África e aos países socialistas). Fascinado pelo terceiro- mundismo (Tito, Nehru, etc), pretendia fazer do Brasil o líder da transformação latino-americana, em certa oposição a aspectos da política externa e cultural dos EUA. Novos ares sopravam em Brasília. Mas, com a renúncia, tudo voltou à crise de antes: apreensão e corrupção.

A tentativa dos ministros militares de impedir a posse de João Goulart refletia a profunda divisão da sociedade, apreensiva com os rumos que o País tomaria, uma vez entronizado o ex-ministro do trabalho de Vargas. Jango assumiria posições cada vez mais à esquerda e estava literalmente cercado de comunistas que, desde o início dos anos 50, passaram a ocupar cargos importantes nas universidades e no governo.

A mobilização social pela posse do vice-presidente seria ampliada no governo de Jango, em parte em face da ação de comunistas infiltrados no governo e numerosos simpatizantes da causa vermelha. Dinheiro e apoio não faltaram à UNE, aos teatros populares e pretensos movimentos de alfabetização, a sindicatos a movimentos de ruralistas (eram chamados de "camponeses"; na Baixada Fluminense cuidava-se de armá-los para o confronto com o Exército). No meio militar, com a preparação de sargentos, cabos e soldados para a sublevação militar (levante de sargentos, em Brasília, ocupação de sindicato no Rio de Janeiro por marinheiros, etc). Os partidos revolucionários (PCB, PC do B, Movimento Tiradentes, Polop e outros menores) foram amplamente beneficiados com apoio de recursos, dados a seus integrantes. A intelectualidade da esquerda marxista tomou conta das universidades, dos centros de pesquisa e insinuou-se até nos estabelecimentos militares.

O governo de Goulart demonstrou ser bom para os marxistas, apoiando-os, mas era péssimo para o País, não somente por razões ideológicas, mas, principalmente, por incompetência e corrupção.

A sociedade civil urbana estava assustada com o que via. Escassez de gêneros, desordem, privações de todo tipo, inflação de 100% ao ano, monopólio de empregos para setores de esquerda, violência e corrupção generalizada.

Expressiva mobilização civil conservadora ocorreu, simultaneamente, no Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, pedindo a intervenção das Forças Armadas para a preservação das instituições políticas, do regime constitucional e fazer cessar a anarquia e a corrupção. Depois, viria a bandeira anticomunista - porque esse perigo efetivamente existia, como demonstra a história de outros países que pagaram preço muito maior para vencer o antagonismo bolchevista no teatro interno.

Em 31 de março de 1964, as forças do Exército começaram a mover-se para afastar Jango e os comunistas do comando do País. O movimento praticamente não se defrontou com resistência. Pelo contrário, encontrou entusiástico apoio da sociedade urbana. Uma festa que valeu uma edição especial do TIME e uma separata: "The country that saved itself", saudando o vigor da sociedade civil brasileira que salvara o Brasil da iminência do comunismo.

No período compreendido entre 1964 e 1966, o Brasil vivenciou expressivo desenvolvimento a par de excelentes ações que objetivaram a racionalização política e econômica do País.


1.2.4 - Expressão Científico-Tecnológica


A partir da segunda metade da década de 1950, o processo de industrialização adquire novos contornos com a expansão das indústrias básicas, como a metalurgia, química pesada, celuloso e papel, e com a instalação de indústrias dinâmicas, como a automobilística, a de construção naval e de material elétrico, entre outras.

O Brasil passa, nesse período, a dotar uma política mais agressiva de desenvolvimento econômico, e as atividades de ciência adquirem, portanto, base institucional mais sólida.
Evidencia-se a necessidade de dotar o País de infra-estrutura científico-tecnológica capaz de suprir carências do parque industrial em crescimento nesse setor. Criam-se dois órgãos de fomento às atividades de pesquisa e capacitação de recursos humanos: o Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e a Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Nesse período, o mundo assiste ao notável incremento de experiências científico-tecnológicas na utilização de energia nuclear, com o objetivo de aperfeiçoar o armamento atômico. A Guerra Fria, em pleno curso, associa-se às questões do domínio da tecnologia nuclear e aos recursos minerais nucleares, o que direciona interesses de estudo e pesquisa no Brasil.

Em 1956, o País contava com os seguintes órgãos de pesquisa: Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação e Documentação (IBBD), Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA), Comissão de Energia Atômica, Instituto de Pesquisas Rodoviárias e o Instituto de Energia Nuclear, todos vinculados ao CNPq.

No qüinqüênio 1956-1960, Kubitschek apresentou um plano de desenvolvimento econômico, que tomou o nome de Programa de Metas. Visava, entre outras, à substituição de importações pela produção interna, assim como atender à necessidade de criar divisas. Esse Programa abrangia os seguintes setores: Energia, Transportes, Alimentação, Indústria de Base e Educação.

Diversos setores expandiram-se, destacando o petrolífero, cuja produção ampliou-se, passando a abastecer 35% do consumo nacional. A fabricação de veículos automotivos cresceu de 7.200 unidades, em 1957, para 1.333.078 unidades, em 1960. A multiplicação de fábricas e oficinas que se efetivou estendeu-se a diversos outros ramos da produção, impulsionando sobretudo a indústria de máquinas.


Ressalte-se nesse período de governo diversos outros eventos que concorreram para a impulsão da C&T e do desenvolvimento no País: a construção da cidade de Brasília, a criação da superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), a ampliação da Usina de Volta Redonda e o apoio à construção da USIMINAS e da COSIPA.

O Brasil pós-1964 deu continuidade ao tipo de desenvolvimento capitalista iniciado no governo Kubitschek, dependente do capital estrangeiro e dos investimentos do Estado nas atividades econômicas.


Duas grandes características do período 1956-1966, quanto à Ciência e Tecnologia, foram: o entendimento de que o desenvolvimento do País só se daria com o concurso dos dois agentes de financiamento empregados e que o tratamento dado à C&T seria matricial, ou seja, permeando as ações setoriais através de secretarias em todos os Ministérios, e desenvolvendo e apoiando iniciativas modernizadoras e de crescimento para a Nação.
1.2.5 - Expressão Militar


A despeito da oposição de alguns setores castrenses, o General Henrique Lott, com corajosa intervenção, reorganizou a cena política, compatibilizando legalidade e legitimidade.

Mágoas e ressentimentos em setores militares marcaram, então, o início do governo Kubitschek.


Revoltas e rebeliões, inconsistentes e românticas - como Jacareacanga -, ensejaram a oportunidade de anistiar a todos aqueles que haviam participado de ações político-militares desde o episódio de novembro de 1954.


O desentendimento entre a Marinha e a Aeronáutica, em torno das aeronaves que passariam a operar no porta-aviões Minas Gerais, adquirido com a intenção - frustrada - de cortejar os militares, só não resultou em conseqüências mais graves pelo decisivo apoio emprestado pelo Ministro da Guerra, fiel e sereno fator de equilíbrio durante todo o governo de Kubitscheck.


O surpreendente erro de cálculo cometido por Jânio Quadros no episódio da renúncia demonstrou a imprecisão de seu conceito sobre os militares. Perplexos e desconfiados com a dubiedade da política conduzida pelo exótico presidente, preferiram vê-lo afastar-se da Chefia da Nação - a despeito das conseqüências que isso fatalmente acarretaria -, a ter que continuar convivendo com a demagogia populista, as incertezas e oscilações do excêntrico governante, cujo temperamento variava entre profunda depressão e esfuziantes demonstrações de megalomania.

Parlamentarismo foi a artificial solução engendrada para viabilizar, após a renúncia, a posse do Vice João Goulart, na Presidência da República. O populismo sindicalista de Goulart provocava, na grande maioria da oficialidade, repulsa e indignação.

Com efeito, Jango demonstrou não situar-se à altura da complexidade dos antagonismos então existentes. Confuso, impotente, não passava de conveniente fachada legal, manipulada por aqueles que, determinada e afoitamente, queimavam etapas na perseguição de objetivos definidos e preconizados no receituário anárquico-sindicalista, travestidos de Reformas de Base. Ao cabo de pouco mais de dois anos, o País assistiu, atônito, à institucionalização da baderna, traduzida na intencional inversão de valores e preocupante quadro econômico - robusta inflação e despudorada corrupção - acompanhados de acintoso desrespeito ao princípio da autoridade, inclusive no meio militar. Para todos, já era claro que o próprio governo financiava e incentivava a anarquia. Seus mentores de fato controlavam, com audácia, as rédeas do aparelho governamental. Não se aperceberam de que, na verdade, não detinham o poder.

Numa inequívoca demonstração de repúdio a tudo a que assistia, a Nação foi às ruas, numa opção clara contra o caos reinante. Insistente clamor da sociedade arrancou as Forças Armadas do estado letárgico que até então as anestesiava. A resistência praticamente não existiu. Ao contrário, o País respirou aliviado. Estava a salvo do comunismo vinte e cinco anos antes da derrocada da União Soviética.

Segundo setores moderados das Forças Armadas, a intervenção ideal seria limitada, não somente no tempo, mas, também, na profundidade cirúrgica a ser feita nas instituições políticas.

Para outros, mais radicais, era chegada a hora de os antigos Tenentes tomarem totalmente o poder e extirparem de vez os obstáculos ao Brasil potência. Frustrados, os líderes civis do movimento aliaram-se aos opositores da véspera. Não foi sereno o início do novo Regime.

Não mais seguindo a tendência, rigorosamente observada, de entregar as rédeas do governo a líderes políticos aliados após as intervenções, as Forças Armadas, desta vez, exerceriam o poder na sua totalidade. O gérmen do Tenentismo havia renascido. Os Tenentes, quarenta anos após feitos Generais, iriam colocar em prática, sem as amarras das sutilezas político-partidárias, o ideário pelo qual tanto haviam lutado.

O período contemplado neste Volume, representou para a nossa História uma fase de profundas modificações na Expressão Militar do Poder Nacional. Decorrência da bipolaridade, as Forças Armadas Brasileiras experimentaram forte influência de suas congêneres norte-americanas, tanto no aspecto organizacional, quanto nas questões doutrinárias. O material de emprego militar, nas mais diferentes versões e modalidades, era quase totalmente oriundo dos Estados Unidos, caracterizando uma preocupante dependência. Na mesma época, foram criados institutos militares de pesquisas científico-tecnológicas, primeiro passo na tentativa de dotar o País de massa crítica indispensável à fabricação de equipamento militar, compensando, de certa forma, a referida dependência.

Conveniente para a expansão do Poder Nacional além de nossas fronteiras, foi a participação de contingentes brasileiros em forças internacionais.


O Marechal Castelo Branco, líder moral e intelectual do Movimento de 1964, iniciou, na Presidência da República, o ciclo de governos militares. Seu propósito - ficou claro desde logo - era o de realizar a profilaxia política e incentivar o desenvolvimento da boa prática administrativa, e, o mais rapidamente possível, fazer o País retornar à normalidade democrática. Imaginava, certamente, que aquela seria a melhor contribuição dos militares ao aperfeiçoamento das instituições do País. Ainda que alcançada por atalhos não convencionais, a cirúrgica intervenção no processo político permitiria alcançar o patamar a partir do qual o Brasil se projetaria no cenário mundial, ostentando crescimento harmônico de seu Poder Nacional.


Obstáculos variados, com origem na ambição e nas incontornáveis injunções políticas momentâneas, frustraram as intenções iniciais do velho Marechal. Temendo grave rachadura no esquema de sustentação, preferiu abdicar de seus conceitos e convicções e permitir a continuidade do regime de exceção, passando o governo ao General Artur da Costa e Silva.