Estas são reproduções
do primeiro manuscrito (incompleto) da Carta-Testamento de Getúlio
Vargas.
Seu autor foi Maciel Filho, José Soares Maciel Filho, um personagem interessantíssimo de raízes italianas por parte de sua mãe, aluno e amigo de Benedetto Croce, e amicíssimo dedicado de Vargas, do qual foi uma espécie de conselheiro informal, desde os anos 30 do século XX.
Seu autor foi Maciel Filho, José Soares Maciel Filho, um personagem interessantíssimo de raízes italianas por parte de sua mãe, aluno e amigo de Benedetto Croce, e amicíssimo dedicado de Vargas, do qual foi uma espécie de conselheiro informal, desde os anos 30 do século XX.
No governo Vargas,
constitucional, de 1951-1954, foi presidente do BNDE e da antiga
SUMOC, hoje o Banco Central.
A carta-testamento,
encomendada por Vargas, foi escrita entre os dias 8 e 9 de agosto
de 1954, na casa de Maciel - na verdade, de sua sogra - na Praia
do Russell, no Rio (hoje lá está o prédio
da Manchete).
Nesta reprodução
incompleta do manuscrito, aparece (pág.2) um parágrafo
que Vargas excluiu da versão final, e a introdução
(pág.1) que foi acrescentada depois.
(Documentos reproduzidos
de coleção particular)
A Carta-Testamento
de Getúlio Vargas, na íntegra:
Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que
me é imposto. Depois de decênios de domínio
e espoliação dos grupos econômicos e financeiros
internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e
venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei
o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo
nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos
internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados
contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários
foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão
do salário mínimo se desencadearam os ódios.
Quis criar liberdade nacional na potencialização
das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal
começa esta a funcionar, a onda de agitação
se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o
desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que
o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral
inflacionária que destruía os valores do trabalho.
Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até
500% ao ano. Nas declarações de valores do que
importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100
milhões de dólares por ano. Veio a crise do café,
valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu
preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre
a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês
a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão
constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo
esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que
agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não
ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém,
querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço
em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de
estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha
alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa
porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós
e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento
a força para a reação. Meu sacrifício
vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira
de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal
na vossa consciência e manterá a vibração
sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com
o perdão.
E aos que pensam que
me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo
do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de
quem fui escravo não mais será escravo de ninguém.
Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e
meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra
a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação
do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias,
a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos
dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada
receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade
e saio da vida para entrar na História.
(Rio de Janeiro, 23/08/54
- Getúlio Vargas)